Efeito bata branca…
Hoje a reflexão é resultante de problemas que se colocam a medida que definimos nosso enquadramento de intervenção clínica, especificamente no campo da psicologia clínica, cuja forma principal de atuação é a psicoterapia.
Como imagem central para esta conversa, irei utilizar a ideia do psicólogo clínico que utiliza a bata branca como indumentária básica de sua identidade, ou então os seus derivados desta imagem primária, já um pouco mais descolados de sua ideia originaria.
Penso nesta imagem como alguém que pensa no seu sentido metafórico e, portanto, de alguém que pensa o campo da psicologia clínica, cujo representante é um ser humano que aplica a si mesmo como instrumento de intervenção psicológica no outro. Supostamente um processo que o aplicador utilizou em si mesmo.
A forma de problematizar este tema é nos perguntarmos, agora enquanto aprendizes de uma teoria e de uma prática clínica, se a psicologia que o psicólogo aplica vê a si mesma, por dentro, em sua interioridade. E se ela cumpre o seu papel social, coletivo de promover o bem-estar das pessoas e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento de nossa espécie.
Temos de nos perguntar então, ao nos identificarmos socialmente diante do outro como clínicos e praticantes de determinado modelo teórico e de intervenção, se também fazemos o mesmo movimento, o de olhar para nós mesmos, de nos vermos refletidos no espelho.
E reparem que neste caso Ecoar é fundamental, pois senão corremos o risco de ficarmos presos a autoimagem, ensimesmados, e não vermos o outro, não termos a perceção do que o outro ecoa em nós…
É a dialética do sujeito e o outro, do individuo e o coletivo. Isto para dizer que a individuação é provavelmente o resultado desta tensão, cuja tendência é sempre buscar se aproximar de um movimento extremista que exclui o outro e o diferente. Para alguns integração, engordar, para outros tirar, emagrecer... Isto para dizer que nem sempre engordar é bom, e muito menos tirar é mau!
A tendência à polarização da polarização é que é mau, como na presença extrema da individualização, ensimesmada, fixada em seus jargões. Como toda forma polarizada fixada exclui o outro ou o põe em evidência, podemos também conceber o sentido extremista de só fazer eco ao que o outro diz. Neste caso, o eu precisa do outro para repetir, não existe como entidade em si mesma separada do meio que o circunda.
O problema da bata branca, dito assim é que não converge com a única ideia que concebo como MATÉRIA PRIMA, que é o princípio da individuação.
Assim como a bata, fomos adquirindo uma espécie de ideais para definir o enquadramento do que é ser um psicólogo clínico. Nestes ideais somam-se uma lista de convicções teóricas, técnicas, posturais e verbais, cujo design definem o estereotipo do psicólogo clínico, pois a grande parte de nossa formação se origina de um sistema de produção em série que necessita de padronização. Poucas são as vezes que nos ensinam a individuação.
Como conceber a ideia padrão de uma bata ou qualquer padronização, se a verdadeira essência do nosso trabalho clínico é promover que o outro seja si mesmo. Como promover esta ideia nuclear se nós mesmos não somos nós mesmos, não nos comprometemos com a tarefa do nosso desenvolvimento.
A psicologia analítica defende a ideia da escola da individuação, o que significa a ausência de um modelo único, pois a essência da análise junguiana é o ser você mesmo.
É aqui que vem então a ideia de despir a bata e descascar todos estes padrões automatizados, e para isso é árdua a tarefa de ver suas ideias fixas, do contexto da aplicação de suas técnicas e, por fim, da forma como interpreta o outro.
A escola da individuação ensina que a vida é plural e ricamente diversa, e no meio disto tudo, ainda sim, conseguimos distinguir aquele que se diferencia pela sua própria individualidade, naturalmente…
Para isso é preciso muitas horas de conversações, leituras e reflexões. E quem sabe conseguimos puxar o fio de nossa ancestralidade assente em nossos complexos, cujos pais são muitos, a psicologia apresenta em sua filiação uma quantidade enorme de sobrenomes, e muitas vezes são eles e seus complexos também que refreiam nossa capacidade de individuação.
Esse é provavelmente o verdadeiro compromisso com que deseja ser psicólogo clínico, por isso, se posso dar um conselho: -Despe a bata!
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