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Psicologia ‘Sem Pressa’!
João Carlos Vaz Furtado
21-.12-2018
A psicoterapia é um investimento de tempo e energia significativos, que colide com a nossa contemporaneidade baseada na brevidade e realidade virtual.
Há um aumento considerável das queixas psicológicas, que por sua vez tentam se ‘encaixar’ no mercado através de tratamentos rápidos e acessíveis economicamente. De modo geral, as pessoas estão em busca da solução rápida e ‘mágica’ que não sujeite à maturidade e a intimidade interpessoal.
Logo nos primeiros contatos é comum este género de perguntas: “quanto tempo dura?”, “Quanto custa?”, “Quando estarei melhor?”. Sinto que a psicoterapia é um produto comerciável e que depende de todo tipo de publicidade para ser negociável. Aliás, este dilema também é cada vez mais presente nos serviços de psicologia clínica do Estado. Como a lista de espera, a pressão pela quantidade estatística e a imposição de um processo psicoterapêutico breve, senão pontual…
Evidentemente que nem todos buscam processos rápidos e superficiais. Mas o que está comprometido é a ansiedade de ver-se ‘curado’ e a incapacidade de entender que o processo não é uma pastilha, que não atua em um número x de dias, ou ainda um projeto com data de início e fim (repito: apesar de toda pressão obrigar-nos a colocar o processo desta forma, há escassez de recursos humanos nos serviços públicos e nem todos podem pagar por um processo terapêutico profundo).
Vejam o que diz Irvim Yalom a respeito deste assunto: “Psiquiatras jovens são forçados a se especializarem em psicofarmacologia porque os terceiros pagadores agora reembolsam a psicoterapia somente se for entregue por praticantes baratos (em outras palavras, treinados minimamente). O que dizer dos treinamentos de Psicologia Clínica – a escolha óbvia para preencher esse espaço? Infelizmente, os psicólogos clínicos estão enfrentando as mesmas pressões de mercado, e a maioria das escolas de doutorado estão respondendo por ensinar uma terapia que é orientada-ao-sintoma, breve, e, assim, reembolsável. Por isso me preocupo sobre a psicoterapia — sobre como ela pode ser deformada pelas pressões económicas e empobrecida por treinamentos radicalmente breves”.
“O tempo é um fator insubstituível no processo de cura” (A Prática da Psicoterapia, Jung).
A Totalidade de uma pessoa, sua experiência, seu ambiente, suas preferências e sua unicidade correm o risco de desaparecerem e migrarem para a sombra da desvalorização (o que é por si só já fator iatrogénico). O processo se dá no tempo, e o psicoterapeuta de forma humilde e simples está ali para a particularidade de cada pessoa.
“O procedimento é necessariamente muito trabalhoso e demorado. É certo que se fazem muitas tentativas no sentido de abreviar ao máximo a duração do tratamento, mas não se pode afirmar que os resultados tenham sido animadores. Porque quase sempre as neuroses são produtos de uma evolução defeituosa, que demorou anos e anos para se formar, e não existe processo curto e intensivo que a corrija” (Jung).
Curar, segundo Guggenbühl-Craig, provém de heilag, que significa total, completo. Seria esta a finalidade essencial da psicoterapia? A individuação?
A individuação é um processo profundo de amadurecimento psicológico que aponta para a totalidade!
A psicologia que respeita este principio, estima à pessoa que está por trás do ‘caso clínico’. Como diria Hillman: “O sentido mais amplo de terapia começa nos menores atos da observação”. Isto significa que a formação de psicoterapeutas requer um refinamento da perceção; uma formação “baseada no coração sensitivo e imaginativo”.
O lançar do olhar a estes pormenores poderia nos desacelerar radicalmente. Reparar em cada acontecimento limitaria nosso ímpeto desenfreado pela pressão por ‘cura’, pela redução de consumo e consequentemente a arrogância, as defesas maníacas e a vaidade egóica.
A atenção para as qualidades das coisas resgata a capacidade de formar noções verdadeiras das coisas a partir da observação atenta. E é dessa observação atenta que depende o conhecimento.
A psicologia necessita da constante tarefa de rever a si própria, principalmente, através da revisão das estruturas de poder em que se assentam, dos dogmas, à formação humanística de seus profissionais, às unilateralidades, os vícios e à superação das oposições ambivalentes que limitam seu desenvolvimento.
Respeitar nossos clientes, utentes ou pacientes é tratá-los sem pressa, o que significa olhar novamente, repetidamente o mesmo relato, facto, gesto, palavra, sonho, mas sempre com um olho no sentimento, na imaginação e na ciência.

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