Conversações,
Casualidades e Desenvolvimento Mental
Um perspectiva
desenvolvimentista analítica[1]
João Carlos Vaz Furtado[2]
Palavras chave: desenvolvimento mental - processo de individuação –
Self – arquétipo – interação – alteridade.
Sinopse: A casualidade do encontro fundamentado na alteridade
dá o tom destas conversações, cujo tema central é o desenvolvimento mental. Na
própria montagem do texto a ênfase é a busca do diálogo com o leitor,
provocando-o à reflexão do nosso cotidiano. Tentamos assim abrir novas
conversas em que inclua o desenvolvimento mental, a democracia, a criatividade e a ecologia.
“ Se a palavra
e a conduta não estão em harmonia e não são consequências, não terão efeito.”
Pensamento Taoísta
O desenvolvimento mental (individuação) é
um processo dialético e construtivista, que valoriza a atitude emancipatória, a
interação, a reflexão e o protagonismo das pessoas. Para isso, temos de admitir
a dimensão singular do sujeito, sua alteridade e, encorajar a
autonomia, a inteligência coletiva, a partilha de significados e sentidos.
Do ponto
de vista concetual, parece-nos útil percorrer conceitos desenvolvimentais de
psicologia e ligá-los numa perspetiva multidisciplinar e interacionista,
nomeadamente a escola psicanalítica (das relações objetais - Klein, do ego -
Mahler, do Self - Kohut, e Winnicott), a epistemologia genética (Piaget), o
sócio-interacionismo (Vygotsky), a etologia (Lorenz, Tinbergen), a autopoiese
(Maturana e Varela) as neurociências (Damásio) e, particularmente, a psicologia
analítica desenvolvimentista (Neumann, Fordham, Jacobi, Byington), que em nossa
opinião consegue reunir todas estas disciplinaridades.
Avancemos com quatro conceitos básicos em
psicologia analítica que pretendem reunir todas estas disciplinaridades, e utilizá-los na explicação de como
se processa o desenvolvimento mental.
O primeiro conceito é o de arquétipo, definido como estruturas psicobiológicas profundas que têm por base as experiências de caráter instintivo (como por exemplo a sexualidade), ligadas diretamente às experiências biológicas primárias na interação com o meio. Os arquétipos fazem parte de nossa herança filogenética, e estão presentes desde sempre na humanidade.
O segundo conceito é o de Self, definido como a potencialidade inata do organismo para estabelecer conexões, interações e diálogos entre circuitos neuronais, orgânicos, relacionais (interpessoais) e mentais (cognitivos e emocionais) que objetiva o desenvolvimento do processo de individuação. O Self coordena as posições arquetípicas cuja finalidade, é teleológica ou prospetiva de autorregulação, adaptação e totalidade: individuação.
A esse processo de transformação arquetípica da personalidade que irá levar a um alto grau de diferenciação do Eu (é isso que provavelmente marca a singularidade de cada sujeito) no coletivo ou social, a diferenciação dos papéis sociais e sexuais e, principalmente, a realização plena do potencial existencial, denomina-se processo de individuação, nosso terceiro conceito básico. O seu desenvolvimento é ativado e atualizado na interação do eu com o meio através das denominadas posições arquetípicas, mediadas principalmente pelos arquétipos parentais e contrassexuais (feminino e masculino).
O quarto conceito é o de interação, o qual utilizaremos recorrentemente apoiando-nos nesta perspetiva desenvolvimentista e multidisciplinar. O seu pressuposto principal, transversal a todas estas abordagens disciplinares, é que não há separação entre sujeito e objeto, cognição e emoção, corpo e mente, eu e outro.
O primeiro conceito é o de arquétipo, definido como estruturas psicobiológicas profundas que têm por base as experiências de caráter instintivo (como por exemplo a sexualidade), ligadas diretamente às experiências biológicas primárias na interação com o meio. Os arquétipos fazem parte de nossa herança filogenética, e estão presentes desde sempre na humanidade.
O segundo conceito é o de Self, definido como a potencialidade inata do organismo para estabelecer conexões, interações e diálogos entre circuitos neuronais, orgânicos, relacionais (interpessoais) e mentais (cognitivos e emocionais) que objetiva o desenvolvimento do processo de individuação. O Self coordena as posições arquetípicas cuja finalidade, é teleológica ou prospetiva de autorregulação, adaptação e totalidade: individuação.
A esse processo de transformação arquetípica da personalidade que irá levar a um alto grau de diferenciação do Eu (é isso que provavelmente marca a singularidade de cada sujeito) no coletivo ou social, a diferenciação dos papéis sociais e sexuais e, principalmente, a realização plena do potencial existencial, denomina-se processo de individuação, nosso terceiro conceito básico. O seu desenvolvimento é ativado e atualizado na interação do eu com o meio através das denominadas posições arquetípicas, mediadas principalmente pelos arquétipos parentais e contrassexuais (feminino e masculino).
O quarto conceito é o de interação, o qual utilizaremos recorrentemente apoiando-nos nesta perspetiva desenvolvimentista e multidisciplinar. O seu pressuposto principal, transversal a todas estas abordagens disciplinares, é que não há separação entre sujeito e objeto, cognição e emoção, corpo e mente, eu e outro.
Nesta
configuração desenvolvimental estão relacionados alguns fatores:
1º-
depende fundamentalmente de uma matriz, simbolicamente que represente a função
materna de amor, continência, imaginação, intuição, cuidado, nutrição e
proteção.
2º- o
desenvolvimento ocorre de forma mais próxima ao corpo, ao sistema neurogetativo
e às emoções, como por exemplo, os jogos lúdicos, a imitação e a imaginação. É
neste modelo que se estrutura os processos de assimilação e acomodação.
3º- o
objeto inicialmente é percebido por partes, e só gradualmente irá se ter a
percepção do todo.
4º- o
desenvolvimento mental, primeiro, se dá num nível muito concreto da experiência
e, a seguir naturalmente compreende-se simbolicamente a reversibilidade dos
processos mentais.
A Psicologia Analítica Desenvolvimental e
Interdisciplinar
A concetualização
inicial freudiana do inconsciente passa aqui a ser redefinida de ‘lugar’ para
‘qualidade’, noutras palavras, representa aquilo que não é integrado à
consciência e não pôde ser desenvolvido plenamente. Neste caso poderá ser
expresso, por exemplo, pela via ‘inconsciente’ do sintoma, pois, o que não
funciona de maneira adaptada e regulada, vai se manifestar pela
patologia, numa forma mais regredida (neurovegetativa) e profundamente
emocional, devido ao recalque de toda a sua intensidade afetiva. A
interpretação é justamente compreender que o sintoma é a manifestação simbólica
de uma história, que por sua vez é contada pelo corpo e seus fenómenos. Assim,
o corpo passa a ser visto para além da anatomia e fisiologia, mas também como sintoma e significado simbólico.
Jung ao desenvolver o experimento da associação de palavras, concluiu que as falhas nas conexões expressas pelos seus pacientes deviam-se na verdade a interferências emocionais sobre o padrão de resposta. O seu objetivo era provar empiricamente a sua teoria dos complexos, definindo-os como núcleos de ideias, associações e imagens carregados de forte carga afetiva, que por sua vez também se manifestavam no comportamento, interferindo na vida normal, na formação de sintomas e doenças mentais e, mais, o seu núcleo é profundamente emocional. Quanto mais intenso e autónomo for o complexo, maior a sintomatologia e a transformação no organismo total, que pode ser percebido com um mal-estar ou numa sintomatologia mais evidente (Ramos, 2006).
A teoria dos complexos de Jung afastou-se em grande medida da psicanálise de Freud sobretudo a dois princípios epistemológicos: teleológico e o interacionista. No primeiro compreendia que os complexos eram tentativas do organismo em buscar a regulação, afinal há aspectos dissociados da consciência que foram reunidos pela via do sintoma e do sofrimento. A psicoterapia analítica está mais interessada com a finalidade e a ‘intencionalidade’ do sintoma do que somente a sua causa e etiologia. Os complexos seriam manifestações simbólicas criativas regidas pelo arquétipo central (Self), anatomicamente e fisiologicamente presente em nossa herança filogenética.
Já no segundo pressuposto, Jung descrevia que a influência do psicoterapeuta só existe se for suscetível à mesma, ou seja, o paciente influencia o terapeuta, que por sua vez pode utilizar da contratransferência como “um órgão de informação altamente importante”. Ele defendia uma posição de igualdade na psicoterapia (alteridade), o psicólogo literalmente assume os sofrimentos do seu paciente e divide-os com ele. Este assumir é diferente da empatia. Baseia-se nos modelos terapêuticos das interações mãe - criança, ou na díade terapêutica, ou ainda, no 'casamento analítico'. O 'casamento' terapêutico visa reparar, restaurar ou sintetizar divisões psicológicas.
Na perspetiva analítica o ‘complexo’ é visto com finalidade, regido pelo arquétipo do Self, de forma a buscar a complementaridade, o equilíbrio, a adaptação e o desenvolvimento mental. Ele por sua vez coordena outros arquétipos que também se originam a partir de sua unidade, os parentais (materno e paterno): opostos e complementares.
Os arquétipos parentais inicialmente dinamizam a interação dos diversos processos mentais, que se bem assimilados resultarão num funcionamento mental mais criativo e saudável expresso pelo arquétipo da contrassexualidade (feminino e masculino), estruturante para o desenvolvimento do processo de individuação.
O arquétipo feminino e/ou masculino opera influenciando sobre o princípio mental predominante de um homem ou de uma mulher, ou seja, como contraparte psicológica contrassexual. São também importantes no metabolismo orgânico, é o caso das hormonas da progesterona e testosterona responsáveis pelas características sexuais predominantemente femininas e masculinas. No cérebro, podemos descrever as diferenças dos hemisférios com analogias ao feminino e masculino. Por exemplo, no lado direito dominante (isto são vias normais de expressão, mas nem sempre o direito é o dominante), temos a lógica, o desenvolvimento verbal, o raciocínio. No esquerdo, não-dominante, temos o recetivo, intuitivo e criativo (Byington, 2017). Tais polaridades também são expressas no comportamento social, e classificadas muitas vezes como masculino e feminino.
Do ponto de vista desenvolvimental, o arquétipo materno precede o paterno. Esta hipótese é validada na psicanálise, na antropologia, nas neurociências e na psicologia analítica. Todas estas ciências demonstram que o feminino é a matriz para o desenvolvimento, seja na relação mãe/bebé, nas culturas matriarcais em que a religião do feminino precede a do masculino, e na neurologia que demonstra que o desenvolvimento mental, depende primariamente mais de aspectos femininos que masculinos, como o corpo, o afeto, a sensibilidade, a intuição, a imaginação, a recetividade.
Na etapa que sucede o desenvolvimento, após a infância, a contrassexualidade começa a ter maior importância para o desenvolvimento mental, culminando geralmente numa relação adulta com um parceiro ou parceira. Já numa etapa mais avançada da idade adulta, em que supostamente já conseguiu concretizar metas como família e trabalho, a contrassexualidade interior, denominada de anima no homem e animus na mulher, passam a ‘dominar a vida interior’. Estas etapas são disposições arquetípicas que têm por finalidade o processo de individuação.
A primeira posição do desenvolvimento será classificada de matriarcal, a segunda de patriarcal, a terceira de alteridade (anima/animus), e a quarta é última de totalidade (união do masculino e feminino).
O arquétipo materno caracteriza-se por uma interação mais íntima, corporal, vegetativa e concreta. O arquétipo paterno caracteriza-se por uma interação mais discriminada, hierárquica, racional e abstrata. O arquétipo do feminino e masculino caracteriza-se por uma interação de mutualidade, reversibilidade, diálogo, criatividade e igualdade. E por fim, o arquétipo do Self, caracteriza-se por uma interação de totalidade, união e plenitude.
Jung ao desenvolver o experimento da associação de palavras, concluiu que as falhas nas conexões expressas pelos seus pacientes deviam-se na verdade a interferências emocionais sobre o padrão de resposta. O seu objetivo era provar empiricamente a sua teoria dos complexos, definindo-os como núcleos de ideias, associações e imagens carregados de forte carga afetiva, que por sua vez também se manifestavam no comportamento, interferindo na vida normal, na formação de sintomas e doenças mentais e, mais, o seu núcleo é profundamente emocional. Quanto mais intenso e autónomo for o complexo, maior a sintomatologia e a transformação no organismo total, que pode ser percebido com um mal-estar ou numa sintomatologia mais evidente (Ramos, 2006).
A teoria dos complexos de Jung afastou-se em grande medida da psicanálise de Freud sobretudo a dois princípios epistemológicos: teleológico e o interacionista. No primeiro compreendia que os complexos eram tentativas do organismo em buscar a regulação, afinal há aspectos dissociados da consciência que foram reunidos pela via do sintoma e do sofrimento. A psicoterapia analítica está mais interessada com a finalidade e a ‘intencionalidade’ do sintoma do que somente a sua causa e etiologia. Os complexos seriam manifestações simbólicas criativas regidas pelo arquétipo central (Self), anatomicamente e fisiologicamente presente em nossa herança filogenética.
Já no segundo pressuposto, Jung descrevia que a influência do psicoterapeuta só existe se for suscetível à mesma, ou seja, o paciente influencia o terapeuta, que por sua vez pode utilizar da contratransferência como “um órgão de informação altamente importante”. Ele defendia uma posição de igualdade na psicoterapia (alteridade), o psicólogo literalmente assume os sofrimentos do seu paciente e divide-os com ele. Este assumir é diferente da empatia. Baseia-se nos modelos terapêuticos das interações mãe - criança, ou na díade terapêutica, ou ainda, no 'casamento analítico'. O 'casamento' terapêutico visa reparar, restaurar ou sintetizar divisões psicológicas.
Na perspetiva analítica o ‘complexo’ é visto com finalidade, regido pelo arquétipo do Self, de forma a buscar a complementaridade, o equilíbrio, a adaptação e o desenvolvimento mental. Ele por sua vez coordena outros arquétipos que também se originam a partir de sua unidade, os parentais (materno e paterno): opostos e complementares.
Os arquétipos parentais inicialmente dinamizam a interação dos diversos processos mentais, que se bem assimilados resultarão num funcionamento mental mais criativo e saudável expresso pelo arquétipo da contrassexualidade (feminino e masculino), estruturante para o desenvolvimento do processo de individuação.
O arquétipo feminino e/ou masculino opera influenciando sobre o princípio mental predominante de um homem ou de uma mulher, ou seja, como contraparte psicológica contrassexual. São também importantes no metabolismo orgânico, é o caso das hormonas da progesterona e testosterona responsáveis pelas características sexuais predominantemente femininas e masculinas. No cérebro, podemos descrever as diferenças dos hemisférios com analogias ao feminino e masculino. Por exemplo, no lado direito dominante (isto são vias normais de expressão, mas nem sempre o direito é o dominante), temos a lógica, o desenvolvimento verbal, o raciocínio. No esquerdo, não-dominante, temos o recetivo, intuitivo e criativo (Byington, 2017). Tais polaridades também são expressas no comportamento social, e classificadas muitas vezes como masculino e feminino.
Do ponto de vista desenvolvimental, o arquétipo materno precede o paterno. Esta hipótese é validada na psicanálise, na antropologia, nas neurociências e na psicologia analítica. Todas estas ciências demonstram que o feminino é a matriz para o desenvolvimento, seja na relação mãe/bebé, nas culturas matriarcais em que a religião do feminino precede a do masculino, e na neurologia que demonstra que o desenvolvimento mental, depende primariamente mais de aspectos femininos que masculinos, como o corpo, o afeto, a sensibilidade, a intuição, a imaginação, a recetividade.
Na etapa que sucede o desenvolvimento, após a infância, a contrassexualidade começa a ter maior importância para o desenvolvimento mental, culminando geralmente numa relação adulta com um parceiro ou parceira. Já numa etapa mais avançada da idade adulta, em que supostamente já conseguiu concretizar metas como família e trabalho, a contrassexualidade interior, denominada de anima no homem e animus na mulher, passam a ‘dominar a vida interior’. Estas etapas são disposições arquetípicas que têm por finalidade o processo de individuação.
A primeira posição do desenvolvimento será classificada de matriarcal, a segunda de patriarcal, a terceira de alteridade (anima/animus), e a quarta é última de totalidade (união do masculino e feminino).
O arquétipo materno caracteriza-se por uma interação mais íntima, corporal, vegetativa e concreta. O arquétipo paterno caracteriza-se por uma interação mais discriminada, hierárquica, racional e abstrata. O arquétipo do feminino e masculino caracteriza-se por uma interação de mutualidade, reversibilidade, diálogo, criatividade e igualdade. E por fim, o arquétipo do Self, caracteriza-se por uma interação de totalidade, união e plenitude.
O método de amplificação do símbolo
O método analítico de intervenção
psicológica é denominado de ‘amplificação do símbolo’. O objetivo é aumentar o material
individual ao nível coletivo, universal e arquetípico, de forma que as potencialidades
ao serem amplificadas guiem
o processo de evolução da personalidade
em direção ao seu potencial de busca da totalidade, denominado de processo de
individuação. Neste método os símbolos têm uma função fundamental, pois
dinamizam a ação prospectiva na personalidade (Byington, 2004).
Como se verifica, este método está mais interessado em averiguar para onde a vida de uma pessoa a está conduzindo (teleológico) combinado com as presumíveis causas de sua situação. Essa orientação definida por Jung como ‘sintética’, significa que aquilo que emerge do ponto de partida (ponto de urgência) é que têm uma significação primária, ou seja, os fenómenos psicológicos são considerados como se tivessem intenção e propósito, em termos de orientação para um objetivo ou teleológica. Tal método é compatível com o ponto de vista básico dos opostos, que, apesar de separados, tendem constantemente para a síntese ou a procuram. Daí que as abordagens sintéticas e redutivas[3] devem coexistir.
A amplificação dos símbolos permite empregar diversas técnicas que objetivam alargar seus significados, dentre elas a associação livre, análise de sonhos, imaginação ativa (Jung), mitodrama (Laura Freitas)[4], pintura, escultura (Nise da Silveira)[5] , a caixa de areia (Kalff), etc. Tais técnicas visam aprofundar a comunicação na interação, principalmente quando o indivíduo tomar consciência de processos que têm dificuldades de expressar do ponto de vista verbal. Quando isso ocorre, observa-se as tendências presentes no indivíduo, e a seguir incentiva-os:
Como se verifica, este método está mais interessado em averiguar para onde a vida de uma pessoa a está conduzindo (teleológico) combinado com as presumíveis causas de sua situação. Essa orientação definida por Jung como ‘sintética’, significa que aquilo que emerge do ponto de partida (ponto de urgência) é que têm uma significação primária, ou seja, os fenómenos psicológicos são considerados como se tivessem intenção e propósito, em termos de orientação para um objetivo ou teleológica. Tal método é compatível com o ponto de vista básico dos opostos, que, apesar de separados, tendem constantemente para a síntese ou a procuram. Daí que as abordagens sintéticas e redutivas[3] devem coexistir.
A amplificação dos símbolos permite empregar diversas técnicas que objetivam alargar seus significados, dentre elas a associação livre, análise de sonhos, imaginação ativa (Jung), mitodrama (Laura Freitas)[4], pintura, escultura (Nise da Silveira)[5] , a caixa de areia (Kalff), etc. Tais técnicas visam aprofundar a comunicação na interação, principalmente quando o indivíduo tomar consciência de processos que têm dificuldades de expressar do ponto de vista verbal. Quando isso ocorre, observa-se as tendências presentes no indivíduo, e a seguir incentiva-os:
“a deixar a imaginação trabalhar por
conta própria, com interferência mínima do ego. Se o momento escolhido for o correto, segue-se uma fantasia organizada
que assume a forma de um sonho, no qual o paciente
então aprende a participar como uma das figuras; dessa forma pode
desenvolver-se uma dialética entre o ego e as imagens arquetípicas denominada
imaginação ativa. O processo é facilitado pela dança, pela pintura e pela
escultura em madeira ou argila.” (Fordham, 2001:
13)
Do material
produzido, estuda-se uma série de sonhos, cenários, imagens, fantasias e
narrativas produzidas individualmente e em grupo, observam-se os temas que se
interligam e amplificam-se de modo a chegar ao núcleo central do significado
emocional. Como a investigação e o estudo do símbolo desenvolveu-se muito desde
o século XIX, como por exemplo o estudo comparativo dos mitos[6],
permite-nos utilizar desses conhecimentos como instrumento (interpretação) para
operar na mente das pessoas. Assim, mediante a associação livre (não-verbal,
pré-verbal e verbal) tenta-se estabelecer o contexto pessoal relativo ao
conteúdo manifesto, e através da técnica da amplificação liga-o à símbolos universais e
arquetípicos.
A amplificação envolve o uso de paralelismos míticos, históricos e culturais a fim de esclarecer e alargar o conteúdo metafórico do simbolismo manifesto. Jung fala disso como o tecido psicológico em que o símbolo está inserido. Como este processo traça um paralelo entre o material aparentemente pessoal trazido pela pessoa e o conteúdo coletivo, irá poder propiciar o insight e a conexão ao Self.
A amplificação envolve o uso de paralelismos míticos, históricos e culturais a fim de esclarecer e alargar o conteúdo metafórico do simbolismo manifesto. Jung fala disso como o tecido psicológico em que o símbolo está inserido. Como este processo traça um paralelo entre o material aparentemente pessoal trazido pela pessoa e o conteúdo coletivo, irá poder propiciar o insight e a conexão ao Self.
Algumas
dúvidas poderiam suscitar em relação à validade deste método de intervenção,
principalmente em pessoas que julgamos apresentarem dificuldades em simbolizar,
observados por exemplo nas crianças, nos pacientes muito regredidos e em
pessoas com baixa escolaridade. Na verdade, o que sucede é que tal processo
está a lidar com formas mais primárias do funcionamento mental, formas
simbólicas pré-verbais. Ramos alerta-nos para não confundirmos essa ideia e
reduzir o símbolo ao verbal, explica que na ausência de uma representação
simbólica abstrata, como é o caso da doença que se expressa no corpo,
“o Self manifestaria uma disfunção por meio de
uma simbolização mais regressiva, mais primitiva e mais
organicista” (Ramos,
2006: 57).
Esse
fenómeno deve-se às dificuldades de abstração nas fases iniciais do
desenvolvimento, pois o processo de assimilação funciona muito mais de maneira
literal, sensorial e perceptiva, confirmado por Piaget ao descrever que nessa
fase a experiência imitativa acelera o desenvolvimento. Esse dinamismo,
definido por matriarcal, está situado numa relação mais íntima com o outro,
dependente do vínculo e da relação afetiva, cuja primazia é a dimensão
corporal, mais arcáica e primitiva para vivenciar o outro na mente. Esse modo
de inteligência sensorial e perceptiva intensifica a literalidade dos símbolos
e restringe sua abstração, daí poder conter grande carga simbólica
estruturante:
“Não devemos, pois, reduzir a
simbolização exclusivamente à abstração e à consciência. Quando o fazemos,
favorecemos uma falsa superioridade do padrão patriarcal em detrimento do
matriarcal (…) do ponto de vista da produtividade simbólica na construção da identidade
(…) o arquétipo matriarcal é de longe
superior ao patriarcal porque a função estruturante da simbiose é muito mais
intensa na posição
insular.” (Byington, 2003:149)
Desse modo,
a manifestação simbólica dos arquétipos, que varia conforme o contexto
histórico e cultural que o indivíduo está inserido, acontece desde o seu nível
abstrato ao nível concreto:
“O símbolo é o corpo vivo (…). Quanto
mais ‘baixas’, isto é, com a aproximação dos sistemas
funcionais autônomos, tornam-se gradativamente mais coletivas, a fim de se
universalizarem e ao mesmo tempo se extinguirem na materialidade do corpo, isto
é, nas substâncias químicas (...). Quanto mais arcaico e ‘mais profundo’, isto é,
mais fisiológico o símbolo, tanto mais ele é
coletivo e universal, tanto
mais material.” (Jung, 2002: 173)
Os
símbolos, produções humanas naturais, são ferramentas valiosas nos procedimentos em
desenvolvimento mental.
São expressos algumas vezes espontaneamente através dos sonhos, por
exemplo, e outras vezes através de atuações substitutivas que se transformam em
sintomas, que por sua vez, podem levar à alienação, estagnação, à atitude unilateral da
personalidade e à doença. O enquadramento analítico e suas técnicas variadas visam justamente facilitar ao
indivíduo a compreensão de tais manifestações simbólicas a fim de restabelecer a
regulação e a unidade mental, promovendo a sua saúde e a individuação.
Portanto, a
amplificação do símbolo é considerado um instrumento terapêutico precioso, pois
integra realidades opostas que geralmente se encontram dissociadas. Desse modo,
viabiliza a capacidade de tolerar a tensão dos opostos e de sustentar o
conflito para que possa ser superado. Tal capacidade gera novas atitudes,
perspectivas, soluções e o processo criativo em geral. O ser humano poderá,
então, viver de forma mais livre, consciente e criativa (Weinrib, 1993).
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[1] A finalidade
deste texto é permitir a reflexão de estudos avançados em psicologia
desenvolvimentista analítica na prática do psicólogo inserido no âmbito dos
cuidados primários.
[2] Mestre em
Psicologia Clínica e da Saúde. Especialista em Psicologia Analítica. Psicólogo
clínico no Aces Alto Ave.
[3] Jung utilizava o conceito
‘redutivo’ para descrever a característica
central do método freudiano de desvelar as bases primárias e instintivas
da motivação psicológica. É crítico ao método redutivo
unilateral porque o significado teleológico do conteúdo psicológico latente
(sintoma, sonho, imagem, ato falho) não é desvendado. Ao relacionar o conteúdo
psicológico somente ao passado, seu valor presente para o indivíduo pode se
perder. Sua outra objeção é a tendência em simplificar as interpretações,
reduzindo-as em termos personalistas.
[4] No ‘mitodrama’ a autora investiga o campo de interação ativado pelo
arquétipo do mestre-aprendiz, enriquecido em alguns aspectos por contribuições
de Erich Neumann sobre a fase do self corporal.
[5]
Nise da Silveira dedicou-se à
psiquiatria sem nunca aceitar as formas agressivas de tratamento, como a
internação, os eletrochoques, a insulinoterapia e a lobotomia. Em 1952, funda o
Museu de Imagens do Inconsciente, um centro de estudo e de pesquisa que reúne
obras produzidas nos ateliês de pintura e modelagem
[6]São exemplos as obras de J. J. Bachofen (1815 – 1887), Walter Otto (1874 – 1958),
Heinrick Zimmer (1890 –
1943), Karóly Kerényi (1897 – 1973), Joseph Campbell (1904 – 1987),
Mircea Eliade (1907 –
1986) e Junito Brandão (1924 – 1995).