VI Jornadas de Psicologia e Cuidados de Saúde
Primários
Lotação
Esgotada: O Último Quarto
Ontogenia e imprudências
psicossociológicas[1]
João
Carlos Vaz Furtado[2]
Palavras-chave:
envelhecimento – individuação – símbolo – arquétipo – alteridade – busca de
sentido.
Sinopse:
O envelhecimento fundamentado na alteridade é o tema central para o
desenvolvimento mental. Nossas imprudências estão baseadas em relações
maioritariamente assentes na dimensão patriarcal unilateral, cujo resultado é a
senilidade. Já a senescência baseia-se na abertura de novas conversas e, quem
sabe, novas emoções e descobertas para o novo, numa realidade que cada vez mais
exige de nós desenvolvimento, capacidade de relacionarmo-nos democraticamente,
criativamente e ecologicamente.
‘A
vida é um curto espaço de tempo entre dois grandes mistérios: o nascimento e a
morte.’ (Jung)
Bom
dia, cumprimento a todos os colegas da mesa e a todos os presentes nesta VI jornadas
de psicologia de Braga, Lotação Esgotada: O último quarto. Um especial
cumprimento ao colega Paulo Passos que convidou-me a realizar esta comunicação
com o subtítulo: Ontogenia e Imprudências Psicossociológicos.
Em
relação ao tema central deste encontro, o envelhecimento, irei refletir
convosco algumas considerações gerais a respeito do tema e, ao mesmo tempo,
apresentar-vos algumas ideias mais peculiares que a abordagem junguiana tem a
dizer sobre o mesmo. Eu estou referindo isto com a intenção de contextualizar
do que é que estou falando, quais são minhas referências teóricas.
A
intenção de abordar este tema analiticamente e, com isso, recorrer constantemente
a linguagem simbólica, é para amplificar a psique e toda a sua riqueza! Afinal,
o símbolo desperta para dentro, enche-nos de vitalidade.
Nas
primeiras décadas o envelhecimento parece passar silencioso. De repente, algo nos
marca, é a perna mais pesada, a coluna que dói, até o dia que alguém se levanta
para você sentar. Inevitavelmente o tempo implacável não volta atrás, pelo
menos para o corpo.
Para
o analista junguiano James Hillman, o tempo implacável do corpo é diferente do
tempo circular da psique. O corpo vive o tempo linear, em direção reta,
enquanto a psique vive o tempo circular, ou seja, ela move-se em círculos em
direção a si mesma, quebrando o encadeamento cronológico
presente-passado-futuro, instaurando o tempo cíclico, capturado pela imaginação,
pela linguagem poética.
A
poetisa Adélia Prado diz que o segredo do envelhecer está no erotismo da alma, no
enriquecer da vida interior, que não tem nada a ver com os condicionamentos
impostos pela sociedade, como por exemplo, a crença cosmética da manutenção da
jovialidade, como rótulos de beleza, vigor e potência. Tem mais a ver com as ‘Mil
e uma noites’, um amor infinito que fala ao ouvido, que preenche o seu vazio. O
segredo do erotismo da alma é a androginia, ser masculino e feminino, é fazer
amor com a boca e o ouvido.
Como
diria Adélia Prado: ‘O melhor do amor é a sua memória’, evocar aquilo que a
emoção grifou, ‘atualizar’ os esquemas construídos ao longo da vida, individuar,
buscar sentido, viver de acordo com o princípio da qualidade e longevidade dos
vínculos afetivos, regidos no amor, na alteridade, na pluralidade, na tolerância
e plasticidade.
De
modo geral, as perspetivas desenvolvimentais em psicologia referem que é típico
do envelhecimento humano manter contatos significativos com pessoas afetivamente
próximas e, assim, aumentar a sensação de bem-estar, ou seja, é uma estratégia de
regulação e adaptação otimizar o funcionamento afetivo e social. Também referem
a imprudência em reduzir o desenvolvimento apenas a um ciclo de vida, ou então
privilegiar um ciclo em detrimento do outro. O Desenvolvimento, que acontece durante
toda a vida, depende de nossa capacidade em Ser plural, aberto e maleável.
A
reconstrução das memórias, biografia e da vida interior, é uma necessidade
vital de busca de sentido ligado ao processo de individuação, numa linguagem
psicanalítica, seria a capacidade de reconstrução do objeto interno parcial,
para uma posição de objeto total. Nesse caso não seria um objeto internado com
a mobília interior abandonada, despersonalizada, a semelhança dos espaços
internos de reclusão e isolamento.
Poderia
resumir as coisas assim: quanto melhor se vive, melhor se envelhece, mais
bem-estar, mais se vive o presente de forma intensa, mais se atualiza o Ser e o
sentido da vida, mais próximo se encontra da individuação.
Como
diria Viktor Frankl ‘quem tem um porque enfrenta qualquer como’!
A
busca de sentido se torna mais favorecido na velhice, porque é previsto a
pessoa cumprir aquelas etapas básicas do desenvolvimento: carreira, família,
estabilidade económica, a autonomia dos filhos, a chegada da reforma... Tudo
isto permite ao individuo estar mais livre para escolher viver a sua vida, despir-se
de suas personas e lançar-se para a experiência coletiva.
Passo
a citar Jung: ‘O ser humano não chegaria aos 70 ou 80 anos, se esta longevidade
não tivesse um significado para a sua espécie. Por isto, à tarde da vida humana
deve ter também um significado e uma finalidade próprios, e não pode ser apenas
um lastimoso apêndice da manhã da vida.’
Ou
ainda, James Hillman: ‘envelhecer não é um acidente. È algo necessário à condição
humana e pretendido pela alma. Não posso apoiar a teoria de que a longevidade
humana é o resultado artificial da civilização, sua ciência e suas redes
sociais, produzindo uma safra de múmias vivas, paradoxos suspensos numa zona
crepuscular, os últimos anos confirmam e realizam o caráter.’
E
quem não chega a ser velho, não cumpre esta meta? Talvez devêssemos olhar para
o desenvolvimento não como uma linha reta e lembrar da circularidade da psique.
Talvez devêssemos olhar para o novo e o velho como parte de um mesmo processo, assim
como, a vida e a morte.
Vou
apenas repetir o que todos já sabem, em primeiro lugar, as células envelhecem e
morrem, como também nascem e renovam-se. Na vida este processo também acontece
o tempo todo, a dualidade velho e novo, vida e morte interagem ao mesmo tempo,
de forma antagónica e sincrónica, da unidade celular segue sua destruição e,
assim, a vida renova-se. No entanto, quando Cronos impera em nosso Ser e devora
os nossos filhos, a velhice cronifica-se e manifestam-se os sintomas de
senilidade.
Portanto,
meus colegas, desde o dia que nascemos, aprendemos que é inevitável o processo
de envelhecimento, morte, perda e separação. No entanto, a tendência coletiva
está baseada na organização patriarcal unilateral, que dissocia os pólos. Nestas circunstâncias a vida
perde o sentido, impera o medo, a ansiedade persecutória, a sensação de
sufoco, a prisão, o pânico e o sentimento de que a vida é sempre uma ameaça.
O
pólo do pai unilateral gera a doença crónica, a imutabilidade e a atitude
violenta com o diferente e o novo, é a expressão da senilidade. No pólo da mãe
unilateral o
envelhecimento não se dá a fim de promover o desenvolvimento, nos tornamos
submissos, dependentes, desenvolvemos um falso eu, uma personalidade puer (o
eterno jovem). Desde muito cedo é ensinado maioritariamente o zénite da
vida e todo o seu sumo concentrado.
Mas
como crescer sem separarmo-nos dos nossos pais e seus complexos?
Para
crescermos temos de abandonar aquilo que nos é familiar e ir de encontro ao
desconhecido, à morte, e assim termos mais poder (e capacidade de amar) para
renascer e descobrir o sentido da vida.
Não
seria mais fácil elaborar o processo de individuação se desde o início da vida (e
da morte) aprendêssemos a interagir democraticamente com os pólos?
A
lidar com o fracasso na mesma medida que o sucesso?
A
ligar cada vez mais o velho e o novo?
Não
seria aconselhável para além da grande ideologia que cerca a reprodução, o nascimento
e a amamentação, também investíssemos na separação, na perda e no desmame?
Não
vejo ser colocado no mesmo patamar o tema da amamentação e o desmame, por
exemplo. Isto é uma representação que reflete nossa postura de como lidamos com
o envelhecer dos ciclos de vida. Deve-se evitar o luto a qualquer custo, antes
mesmo de ele acontecer, devemos medicar e, dessa forma, não adotamos uma
atitude integrativa.
Não
seriam estas as imprudências que não têm nada a ver com o nosso Ser?
Parece um paradoxo
irreconciliável pensar no processo de individuação que culmina com o
envelhecimento e a morte. Neste caso estou a referir-me a morte ao nível
individual, pois do ponto de vista da natureza o que acontece é uma
transformação. Vejam este exemplo, nas aldeias esquimós, os novos conduziam os
velhos para as planícies geladas e os abandonavam para serem devorados por
ursos. A crença é que quando o animal fosse abatido e servisse de alimento a
comunidade, seus genitores seriam reincorporados ao grupo, com toda a sabedoria
e qualidades do ancião.
Como atualizar
simbolicamente o rito e reincorporar a sabedoria do velho?
A repetição dos
ritos também pode gerar a transformação, que não tem nada a ver com a repetição
neurótica. Por exemplo: a terra repete o mesmo caminho todos os dias. As
crianças repetem os gestos dos pais, os animais reproduzem por imprinting os
seus progenitores. Na análise repete-se os sonhos, a transferência, a
frequência das sessões, as falas e os silêncios. Repete-se o velho e o novo…
Para Mircea Eliade
um objeto ou uma ação só se tornam reais na medida em que imitam ou repetem um
arquétipo, a realidade só é atingida pela repetição ou participação. O
mecanismo da transformação humana é através da repetição arquetípica, ou seja, o ser humano só é ele
mesmo quando se reconhece no outro e repete ontologicamente a história da
humanidade.
A não aceitação da interação vida e morte, velho e novo, representada no
mito de Sísifo por exemplo, retrata esta dinâmica patriarcal defensiva, pois a
sua repetição é neurótica e patológica, apesar de haver movimento no rolar da
pedra, ele é desprovido de sentido, que é a própria expressão da neurose.
Em geral, a sociedade fundamentada maioritariamente na dinâmica patriarcal,
relega o velho, discrimina-o e até o persegue. Por norma, as pessoas velhas são
vistas como incapazes, lentas e inadequadas. Ao velho, fecham-se as
possibilidades coletivas do ponto de vista de sua individuação, acaba por ser
enterrado ainda vivo.
Vivemos
num período em que o que interessa é o poder, o novo, o eternamente jovem. Tudo
é facilmente descartável, morre-se mais rápido do que é suposto, sem
completar-se na totalidade determinado ciclo (ou se completamos, fazemos como
Sísifo e rolamos a pedra sem sentido). Há sempre uma nova versão humana, e
aquela velha (que nem sequer ficou velha pois não demos tempo para isso) já não
serve e tem de ser enterrada.
E
o que temos visto? Uma espécie de banalização do mal e este cada vez mais se
volta para nós, (isto também serve como metáfora quando fazemos isso como os
nossos conteúdos psicológicos e não atualizamos o ‘velho’, o arquétipo) e cada
vez mais vamos tendo a noção de que temos de reciclar, ser ecológicos, melhor,
eco psicológicos, e hoje começa-se a falar em sustentabilidade, em circularidade,
parece que já não funciona mais andar em linha reta...
Do
ponto de vista psicossociológico, a dinâmica velho e novo, vida e morte, apego
e desapego tendem a funcionar defensivamente, e em muitas situações patologicamente.
Se uma mulher, por exemplo, que só aprendeu a cuidar dos filhos, de casa,
casada com um homem que ela só via no jantar e fins-de-semana, de repente, tem
de conviver com ele 24 hs, pois os filhos já não estão em casa, ela não sabe o
que fazer com a pedra que tem de rolar todos os dias, e vai perdendo o sentido
de sua vida.
Quando
alguém acostumou a viver toda uma vida com uma pedra no sapato, e você tira a
pedra do sapato ela já não sabe andar. E sabem o que muitas vezes acontece?
Cirurgia, amputação, quer dizer, primeiro se medica, depois se não resolver,
corta, dissocia!
Os
rituais de iniciação, como estratégias típicas e naturais de integração,
transformação e renascimento, estão praticamente extintos na sociedade, a não
ser que estejam a serviço do consumo, do descartável, da imagem e de certa
forma da superficialidade. E aqui, vemos mais uma vez o envelhecimento ligado à
cosmética, não faltam produtos no mercado para esse fim.
Não
estou também a dizer que a experiência do envelhecimento é algo aceite
calmamente. Mas a medida que caminha-se para velho, mais consciente se é das
perdas que o envelhecimento indubitavelmente carrega, mais atualizado, original
e realizado se pode ser.
Para
o existencialismo, por exemplo, a angústia no envelhecer é derivado da culpa em
relação a si mesmo, ou seja, ela surge porque você não está a se atualizar dentro
do seu próprio processo de individuação, ao seu potencial para crescer, viver e
aprender.
O
envelhecimento neste simbólico é desapego, aceitação de um fim, visando a uma
perceção mais alargada com vista a totalidade e a individuação, a possibilidade
de transformação também coletiva e social.
Do
ponto de vista desenvolvimental, a descoberta do mundo e de si mesmo se dá a
partir da interação equilibrada e criativa dos arquétipos parentais, e neste
jogo de amor, nutrição e proteção, o ego se autonomiza. É a dialética de fusão
e separação.
Progressivamente
o ego discrimina ainda mais o dentro e fora, a realidade interna e externa, o velho
e novo, a vida e a morte. Tal separação culmina com a arrogância do ego, de tal
forma que ele julga-se neutro frente ao mundo, reduzindo, por exemplo, a
realidade a estatísticas e números, sem paixão, sem imaginação, sem corpo,
cheiro ou suor…
No
entanto, a neutralidade, que muitas vezes nos fizeram crer, é um engodo, ou
melhor, é uma etapa no processo de desenvolvimento do ego. O problema é quando
o ego inflado fixa-se em tal ciclo de desenvolvimento e toma a parte pelo todo,
assume o poder. Neste contexto ele ignora que não existe um conhecimento puro,
sem paixão, imaginação e sentimento.
O
mundo não é uma coisa separada do Ser. Não existe um mundo neutro, estamos o
tempo todo em interação. Não somos seres de conhecimento puro, e Descartes
afinal estava errado. Somos seres de amor e desejo, cuja experiência da vida é
substancialmente a emoção. Para a psicologia analítica a base da interação
terapêutica é o sentimento.
O
psicanalista Ferenczi já nos havia chamado atenção para isso: ‘ a inteligência
pura é um produto da morte, de insensibilidade mental e, por isso mesmo, em
princípio, loucura…’
Já
a imaginação que voa e se lança para fora, transforma a realidade, produz
símbolos, poesia...
Enquanto
a busca de pureza ou perfeccionismo leva a recriar o Ser como produto da
loucura, produz máscaras e vestes que nos escondem, que transformam-nos em
outros, a ponto de nos olharmos ao espelho e vermos que já não nos vemos, não nos
reconhecemos. Parecem-se com corpos doentes assolados por ataques de
hipocondria, ou mercenários da chamada propaganda, fruto da programação social,
à semelhança de 1984.
Somos
pressionados a usar de phtoshop para desenhar nossos corpos e nos compor de tal
maneira que quase já se parecem com corpos plásticos (sem plasticidade e erotismo),
a venda num grande centro comercial em que tudo é quase igual, produção em
massa... E o plástico tem invadido destrutivamente a vida…
Parece
que esta insistência na inteligência pura tem gerado a normopatia!
Já
a hipótese espantosa de Jung, como explica o Dr. João Major, cada ser é único, “cada
um de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz e
ser feliz”, (Almir Sater).
A
imprudência ideológica da ‘pureza’ patriarcal unilateral preconiza que ser
saudável, é o controlo do corpo dissociado da mente. Neste contexto a
cronologia linear do tempo não permite saber o que o individuo é, sente,
imagina e deseja. E não faltam receitas para manter o poder do controlo
unilateral da saúde!
Do
ponto de vista diagnóstico talvez fosse mais prudente diferenciar o
envelhecimento ligado a senescência da senilidade. Afinal, o conceito de saúde como
a ausência de doença, neste ciclo de vida é dicotómico, já do ponto de vista
junguiano, o imperfeito faz parte da totalidade, de forma que é imprudente
polarizar a saúde e a doença, pois a individuação inclue a totalidade, e na
segunda metade da vida por norma inclue algum processo crónico-degenerativo.
Nossas
imprudências talvez estejam no radicalismo da separação do corpo e da psique, da
cognição e da emoção, da razão e da imaginação. A morte é somente definida como
cerebral, biológica e celular. A nossa ênfase é no corpo físico, e não no corpo
simbólico; nossa imprudência está no radicalismo do literal e na desvalorização
do metafórico.
Assim,
a velhice pode estar ligada a um sofrimento insuportável, isso porque
provavelmente durante todo o percurso existencial o corpo simbólico nunca fez
parte de sua identidade, ele era um estranho. No entanto, a partir do momento
que a dor também passa a ser símbolo e compor nossa identidade, ela torna-se
mais tolerável e integrada á totalidade do individuo.
Quando
não há hipótese de renascimento, em que velho e novo perdem a capacidade de
interagirem, dialogarem e transformarem-se, perde-se o sentido, e aqui, meus
colegas é que se perde o rumo e o indivíduo já não consegue encontrar o seu
caminho de volta para casa, a fim de envelhecer com sabedoria, de forma a saber
contar a história, rememorar e trazer a dádiva que irá transformar o mundo, a
sociedade. É a incapacidade de reestruturar seu ego e perceber aquilo que deve
ser transformado, o que é velho e o que é novo.
A
simbologia do herói retrata esta jornada, a capacidade de tolerar a tensão dos
opostos e o sentimento de desamparo; render-se ao destino e à impotência diante
da morte. É neste momento que surge o velho sábio, pois ele sabe que caminhos
conduzem o herói a individuação. Em Star Wars, por exemplo, é Obi-Wan que personifica
a sabedoria e vêm em auxílio ao herói Luke Skywalker. O auge de sua aventura é
quando tem de confrontar seu complexo paterno personificado na imagem de Darth
Wader. [3]
Este
dialogo do ego (o herói) e o Self (o ancião) é sempre algo reservado,
particular, é uma experiencia profundamente emocional, que não se consegue
racionalizar. É preciso coragem para matar e morrer para o velho, para dar um
novo sentido a sua vida. É preciso, como diria Blake: ‘ver um mundo em um grão
de areia e um céu em uma flor silvestre, segurar o infinito na palma da mão e a
eternidade em uma hora.’
Assim,
o último quarto é uma dinâmica constante em nossa vida que não pode ser
encarada somente cronologicamente, linearmente, senão corremos o risco de que Cronos
impere em nossa psique, de forma a nos tornamos ditadores em nossa própria
casa, nosso corpo, e assim não gerar o novo, a esperança…
A
impotência, a infertilidade e a desesperança, parecem ser todos sintomas da
nossa sociedade assente no poder unilateral de Cronos, no erotismo desenfreado
da busca pelo prazer sem fim, na imaginação incorpórea da realidade virtual, do
excesso de visualização cárcere no seu próprio quarto, sem interação humana, sem
cheiro, sabor ou textura.
Por
fim, neste último quarto desta apresentação gostaria de encerrar por dizer que
a velhice permite comunicar a alteridade, falar do inesperado, daquilo que está
fora da ordem dominante patriarcal. A velhice aproxima-se da Alteridade porque
desloca o indivíduo em direção ao outro, isto é, possibilita uma experiência
profunda da relação com o Outro.
Para
o analista junguiano Carlos Byington, na alteridade os pólos têm igual direito de expressão. O Arquétipo de Alteridade é
compreendido como o arquétipo da democracia, da criatividade e do amor. Nesta posição a interação eu/outro é
simétrica, horizontal, profunda e verdadeira. Aceita-se a imprevisibilidade
e a casualidade do encontro, regido pelos princípios da mutualidade,
reparação e reversibilidade.
Do
ponto de vista da maturidade, é típico o movimento cada vez maior para o ciclo
da alteridade, através, por exemplo, da realização com o sucesso dos filhos e
dos netos, a dedicação a uma causa social, o desejo de construir um legado a
fim de deixar algo para os que aqui vão continuar.
Tudo
isto dá-nos indicações de um aumento da capacidade psicológica de
autorregulação e bem-estar, enquanto o oposto, o apego exagerado de
materialidades e a incapacidade de simbolização, assim como, a atitude
unilateral baseada na arrogância e no poder dão-nos pistas de fixações no
processo desenvolvimental, que comumente acarreta na perda de sentido.
Como
veem, individuação não tem nada a ver com individualização, pelo contrário,
supostamente quanto mais realizado se é do ponto de vista individual, do Ser,
mais se aprimoram as qualidades coletivas da pessoa. Deste ponto de vista seria
a meta da individuação realizada na velhice, a possibilidade de integração da
totalidade.
Mas
então qual o sentido da vida que nos liga à individuação? Deste ponto de vista
só é validado no poder maior que o ego, o velho sábio! Vem a minha mente a
comunidade sentada ao redor do velho para ouvir suas histórias, ricas em símbolos
que estimulam o desenvolvimento, que fortalece o cultivo da memória, base para
o processo de individuação.
Como
diz Quinodoz:
“É
difícil ceder nosso lugar antes de tê-lo encontrado, de deixar a vida antes de
sentir que realmente se viveu, de terminar nossa história interna antes que ela
tenha se tornado uma história total, que nos pertence.”
Agradeço
mais uma vez a vossa presença e por disponibilizarem de vosso tempo para me
ouvirem. Esta comunicação está também na minha página profissional:
www.facebook.com/oficinamateriaprima
[1] Comunicação apresentada nas jornadas de psicologia em
Braga, Portugal. A finalidade deste texto é permitir a reflexão de estudos
avançados em psicologia desenvolvimentista analítica na prática do psicólogo
inserido no âmbito dos cuidados primários
[2] Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde. Especialista
em Psicologia Analítica. Psicólogo clínico no Aces Alto Ave.
[3] Na exibição do
trecho deste vídeo, a criança (novo) convida seu complexo paterno, representado
por Dath Vader a contar uma história. Invés da interação polarizada, propõe a
afetividade.